Friday, June 13, 2008

O futebol dos pequeninos

Não fujo à regra. Jogo em partidas de "solteiros contra casados" (embora, agora que penso nisso, não esteja a ver nenhum solteiro) sempre que posso (e são sempre menos vezes do que eu gostaria). Por mim, jogava todos os dias umas duas horinhas. Perca ou ganhe, venho sempre mais contente, mais cansado, mais sorridente e até "mais alto", de peito feito. A minha "panca" (como diria a minha Mãe) roça a imodéstia de estar constantemente a pensar no que faria se estivesse na pele dos jogadores que estou a ver na televisão ou no relvado. Penso nas linhas de passe ou de intercepção dos adversários, admiro basicamente qualquer um que consiga desequilbrar no um-para-um - qualidade que não tenho de todo -, mas critico-os fortemente se não têm humildade de correr atrás da bola que perdem. À conta disso, fui conseguindo evoluir de guarda-redes mediano para defesa/fixo igualmente mediano, mas retirando outro prazer de construir jogadas ou evitar golos adversários.
Ao longo de todos os jogos que fiz, fui sempre avaliando oponentes, companheiros de equipa, equipas que jogavam a seguir à minha, etc. Traçava o perfil de cada um o melhor que podia para tentar antecipar-me às suas qualidades, resguardando os meus defeitos. Sou no fundo aquilo a que se chama um italiano "à portuguesa". Em muitos desses jogos, tive o privilégio de jogar com alguns dos melhores jogadores que já vi jogar, seja na primeira divisão ou no mesmo campo do que eu.

No entanto, este texto serve apenas para distinguir dois deles. O primeiro joga numa posição muito pouco convencional em Portugal (na sua acepção mais vulgar): pivot. Fantástico a segurar tanto o seu marcador - com um jogo subterrâneo dos mais "chatos" que é possível imaginar - como a bola, servia sempre de ponto de apoio para o jogo da equipa, dando-lhe um balanço quase impossível de ter de outra forma. Perito em jogar de costas para a baliza, é dono de uma finalização bastante apurada e de uma óptima visão de jogo, tanto para se desmarcar como para assistir companheiros. Peca por nem sempre ter vocação para defender e levou comigo frequentemente "nas orelhas" por falhar a marcação ou perder a cabeça de quando em vez, naquele seu jeito brasileiro de dar tudo o que tem, vencer e, se possível, humilhar e enervar o adversário. Equipa que o tenha raramente perde um jogo. O seu nome é Nazir.

Toda a gente tem um primo, pelo menos. É daquelas frases que assusta só de ouvir. "O meu primo é mecânico e é muito jeitoso." "Tenho um primo que te faz um desconto nessas botas, se precisares, ali para os lados de Lousada." "Não posso ir hoje, fiquei de ir levar uma coisa ao meu primo." "Eu levo o meu primo, é bom jogador." Aqui entre nós, todas as frases são uma grande aldrabice pegada, com as devidas e honrosas excepções. Pois bem, a última frase é no meu caso uma verdade do tamanho do mundo. Quando eu era miúdo, o tal "meu primo" (Ricardo, para quem não souber) já me deixava desconfiado de que havia ali qualquer coisa. Uma vez, tinha ido ele fazer uns treinos ao FC Porto, o meu irmão perguntou-me: "o Ricardo joga bem, não joga?". Eu respondi que era mesmo muito bom e que não era só por ser "nosso primo". Na verdade, tornou-se um jogador muito melhor do que o que já era. Tenho pena que não tenha enveredado pela carreira futebolística. Tê-lo-ia ido ver a todos os jogos que pudesse.
Hoje, passados uns anos, jogamos menos vezes do que já chegámos a jogar (o facto de sermos mais velhos, tais como os possíveis adversários, e morarmos em cidades diferentes não ajuda muito). No entanto, não consigo deixar de sorrir sempre que sei que vou jogar com ele. Na verdade, mesmo quando jogo contra ele, dou uns chutos na bola enquanto sorrio por dentro ao ver o que ele é capaz de fazer. Sempre sóbrio, tem um pé esquerdo muito bom, mas a sua grande vantagem é ser inteligente, rápido e tomar boas decisões no momento certo. Tem uma excelente visão de jogo e sabe descodificar as movimentações da sua equipa e dos adversários como conheci poucos ao longo da minha vida. Sabe sempre o que está a acontecer em cada momento dos jogos, sejam os seus ou os das equipas que vê na televisão.

Hoje é dia de jogo e o Ricardo vai jogar. Pouco me importa o resultado. O Ricardo vai jogar e eu já sorrio.

3 comments:

Anonymous said...

Vai-te lixar. Defesa mediano...humpf.... estás um senhor defesa.

Vasco Mota Pereira said...

Tu é que és um verdadeiro gentleman. :)

Anonymous said...

Vim cá eu ver o blog meio envergonhado por ainda nao ter escrito sobre aqueles bitaites que sugeri e apanho aqui um post a dizer só as minhas qualidades a meio de um europeu. Fico muito contente por ter descoberto o meu fã nº1. Tudo o que disseste me parece exagerado mas tambem como todos os outros mortais penso "e se tivesse continuado?" Pois bem acho que seria um Cesar Peixoto em potencia, aos 28 ainda à procura da epoca de confirmação, só que com menos 20 Cm e 10Kg.
Posso garantir que tambem aprendi muito a jogar nos solteiros e casados e tudo quanto é torneio por aí numa perspectiva mais realista que "coxista" que naturalmente flui em qq tuga.

Contigo aprendi a tapar, a nao forçar, a subir e a deitar fora a bola. Aprendi com o Nazir a proteger, com o Guna a antecipar, e tentei aprender com todos os outros quanto mais nao seja a errar.

Normalmente as pessoas gostam de fazer aquilo para que têm jeito, mas sem duvida jogo futebol porque é prazer puro e quando se joga ao teu lado, é a certeza de competitividade e intensidade. Devo admitir que prefiro alguem que conheço bem à minha beira no campo do que um buffon na baliza que vai mandando uns berros.

Quem sabe um dia nao testamos juntos toda a nossa sabedoria e capacidade de análise..?

;o)