Wednesday, October 24, 2012

O que é ao certo a cobertura ofensiva?


Os especialistas futebolísticos (incluindo este colunista, perdoe-se a imodéstia) abordam frequentemente termos e expressões que, por vezes, têm definições vagas para a maioria dos ouvintes/leitores/telespectadores. Hoje, iremos debruçar-nos sobre o mito da cobertura ofensiva e o que representa. Os pilares do princípio da "cobertura ofensiva" dividem-se em dois:

  1. Apoiar o portador da bola e
  2. Manter o equilíbrio defensivo.

Em termos básicos, isto significa que deverá haver um ou mais jogadores ao lado e/ou atrás do portador da bola, de modo a manter a posse da mesma, mas também para garantir que, se a bola for perdida, haverá alguém pronto para conter a ameaça inicial e impedir que o adversário lance um rápido contra-ataque.

Embora ambos os casos apresentados em seguida possam ser igualmente atribuídos a más decisões individuais, este artigo focar-se-á principalmente na cobertura ofensiva e na importância de o portador da bola saber ler o jogo e identificar a sua melhor opção.

  • Golo n.º1 - Shakhtar v Chelsea
A jogada tem início na direita. Hazard (amarelo) recua para receber o passe de Terry. Tentando abrir espaço para o seu colega, Ramires (azul) avança no terreno. A bola será encaminhada para Mikel (vermelho). Note-se como os quatro jogadores do Shakhtar formam uma diagonal quase perfeita, fechando as linhas de passe.


Mikel recebe a bola e, em vez de a passar para David Luiz (laranja) ou Ivanovic (verde), volta-se para o centro do terreno. Ramires (azul) recua, tentando apoiar o seu companheiro. 


Mikel, sob forte pressão, acaba por remeter a bola para Hazard, mas tanto Mikel (vermelho) como Ramires (azul) ficam à frente do avançado belga. É possível ver Cole na linha do meio-campo e Ivanovic (ver imagem seguinte) mais adiantado. Isto significa que apenas Terry e Luiz estão atrás do prodígio do Chelsea. 


Hazard perde a bola e verifica-se agora uma situação de 2x2, com Ivanovic (verde) demasiado adiantado. Com Luiz (laranja) muito aberto, Terry (roxo) tenta correctamente retardar a jogada.


Luiz (laranja) corre na diagonal em direcção ao centro, ao passo que Terry (roxo) permanece ao centro, à espera de reforços.


É nessa altura que Terry executa uma discutível abordagem defensiva. Com Luiz agora mais perto, Terry aproxima-se do portador da bola, abrindo uma enorme avenida para o passe nas suas costas, em vez de fechar a linha de passe.

Conclusão

A boa leitura de jogo é essencial em qualquer cenário, mas, num contexto tão rigoroso como a Liga dos Campeões, um erro é muitas vezes o suficiente para ser penalizado pelo adversário. Sem a devida cobertura ofensiva (ou seja, opções de passe seguras), tanto Mikel como Hazard deveriam ter-se apercebido do perigo e jogado de forma segura. Por outro lado, os seus companheiros de equipa deveriam ter oferecido um melhor apoio durante o ataque e promovido as adaptações necessárias assim que vislumbraram a possibilidade de perda da bola. 

  • Golo n.º 2 - Spartak de Moscovo v Benfica
Neste caso em particular, o Benfica está a atacar pela direita, como é seu timbre. Salvio (o extremo direito) passa para Matic (o pivô defensivo).


Matic (azul) é imediatamente pressionado por Rafael Carioca (o jogador que viria a marcar o golo). O lateral-direito do Benfica, Maxi Pereira (laranja), é neste momento o jogador mais avançado da equipa. Melgarejo (vermelho), o lateral-esquerdo, apercebe-se das dificuldades do seu colega e insiste em subir no terreno, em vez de oferecer uma linha de passe segura. Note-se o número de jogadores do Benfica à frente da linha da bola.


Tomando uma má decisão, Matic tenta entregar a bola a Melgarejo, mas Bilyaletdinov faz a intercepção. A área a sombreado mostra como não existe ninguém atrás de Matic (azul) para além dos defesas-centrais, no seu meio-campo defensivo.


Nesta imagem, é fácil constatar a situação de igualdade numérica. Jardel (roxo), à semelhança de Terry, preocupa-se mais com a bola do que com o espaço ou em fechar a linha de passe. A bola acabaria por chegar a Jurado, livre de qualquer marcação.


Jurado segura a bola enquanto espera por um colega. Rafael Carioca, jogador que havia pressionado Matic, passa pelo seu opositor e pelo de Jurado e introduz a bola na baliza.

Conclusão

Este foi outro exemplo da necessidade de saber ler o jogo em função do posicionamento do jogador e da equipa. Embora o passe de Matic não tenha sido o ideal, convirá não esquecer as inúmeras más decisões dos seus companheiros, ao não oferecerem suficientes linhas de passe seguras - incluindo a subida de um dos seus colegas após ver o seu pivô em dificuldades. Se Matic tivesse sido devidamente apoiado, haveria algumas linhas de passe ao seu lado ou atrás de si, de modo a manter a posse da bola e a evitar um rápido contra-ataque se a equipa perdesse a bola, como viria a acontecer.

Monday, October 22, 2012

Manchester United - Stoke City: dois mundos diferentes


Equipas iniciais

A partida que opunha Manchester United e Stoke City prometia ser uma das batalhas tácticas mais interessantes da jornada, com duas abordagens previsivelmente muito diferentes. Subsistiam inclusivamente algumas dúvidas sobre se o Manchester United seria capaz de contrariar a ameaça aérea do Stoke.

A forma mais óbvia (e já um cliché, nos dias que correm) de distinguir o Stoke City de quase todas as restantes equipas consiste em analisar os passes realizados com destino no último terço do terreno. Com Peter Crouch, Tony Pullis não hesita por um momento em optar por um jogo mais directo, especialmente contra adversários mais fortes. Quanto ao United, o jogo mais baseado no passe e desmarcação acabaria por resultar e por ser determinante para o resultado.

Passes das duas equipas no último terço do campo

A abordagem do Stoke era muito simples - mas eficaz: enviar a bola para Crouch (particularmente no lado de Ferdinand), o qual a remetia para Kightly ou Walters - as competências de Crouch de fazer a equipa jogar são frequentemente menosprezadas. Muito provavelmente cientes das dificuldades de Ferdinand e Evans pelo ar e da falta de ritmo de Scholes e Carrick para recuperar as segundas bolas, os forasteiros insistiam em executar essa jogada uma e outra vez. Os comandados de Pullis permaneciam compactos num 4x1x4x1 - não excessivamente retraído, inesperadamente - e atacavam o Manchester United quando estes tentavam entrar pelo centro, partindo em rápidos contra-ataques.

Desarmes e intercepções do Stoke City, predominantemente no lado esquerdo.

Para além disso, com Valencia e Welbeck a ficarem pelo ataque e com Rooney mais adiantado do que o habitual, os extremos do Stoke flectiam para dentro sem oposição, confundindo ainda mais as marcações do Manchester United. Na verdade, antes de os comandados de Sir Alex Ferguson igualarem a partida, o Stoke City poderia ter duplicado a vantagem sem que isso causasse qualquer surpresa. Embora apenas tenham usufruído de 36% de posse de bola, a equipa de Tony Pulis revelou-se muito mais incisiva durante boa parte da primeira metade.

O Manchester United começou a encontrar o seu ritmo à medida que o seu ataque se foi tornando mais fluido. Van Persie, Rooney e Welbeck podem trocar de posição entre si, algo que não fizeram durante os primeiros 30 minutos. Van Persie deu o exemplo ao deslocar-se cada vez mais para a ala esquerda, deixando o centro para as investidas de Rooney a partir de trás, o que acabaria por resultar no primeiro golo dos visitados.

Gráficos dos passes de Van Persie e Rooney (assistências a amarelo)

Estes três jogadores viriam a marcar e a fornecer as assistências para todos os golos do Manchester United (com excepção da assistência de Valencia para o tento de Van Persie). Dos três, o avançado holandês mostrou ser o mais perigoso e o mais difícil de marcar, uma vez que ocupou diversas zonas do terreno, levando os seus companheiros a procurar outras posições. Welbeck provou mais uma vez que é mais forte em zonas mais interiores e Rooney demonstrou novamente que é um jogador completo, com talento para jogar em qualquer posição.

Resta ainda uma última questão para cada equipa. O segundo golo do Stoke City ofereceu novo exemplo da necessidade do Manchester United de contar com um jogador defensivamente mais competitivo no seu meio-campo e de abordar as suas fragilidades pelo centro - o segundo tento do Stoke foi invulgarmente semelhante à forma como o Tottenham destroçou o Manchester United há algumas semanas. No que diz respeito ao Stoke, embora esta abordagem possa dar frutos contra equipas mais fortes, será necessário um modelo mais elaborado caso pretendam subir na tabela.

Tão perto, mas tão longe

Equipas iniciais

Havia um enorme burburinho à volta deste encontro, com o Tottenham de de André Villas-Boas a defrontar o seu antigo clube. Iria o treinador português instigar a sua equipa a entrar no jogo em força desde o apito inicial ou iriam os Lilywhites adoptar uma postura mais cautelosa?

Enquanto o Chelsea se debatia com as ausências de John Terry (suspenso) e Frank Lampard (no banco), ao Tottenham faltavam igualmente dois jogadores chave: Moussa Dembélé e Gareth Bale, criando uma parceria entre Tom Huddlestone e Sandro no meio-campo, com Dempsey no flanco esquerdo. Infelizmente para o Tottenham, essas ausências revelaram-se mais importantes do que as do Chelsea ao longo de todo o jogo.

Sem nenhuma das equipas interessada em pressionar à frente, a equipa de Roberto Di Matteo mostrava-se claramente mais confiante e mais segura no momento da posse de bola. Sem o contributo defensivo de Bale e Dempsey pouco disposto a recuar rapidamente, o Chelsea insistiu pelo flanco direito, criando constantemente situações de superioridade numérica.

O Tottenham patenteava enormes dificuldades em sair a jogar. Com Gallas e Caulker no centro da defesa - nenhum dos dois particularmente à vontade a distribuir jogo -, um jogador como Dembélé é essencial, uma vez que pode manter a posse de bola e passar por adversários antes de abrir o jogo. Para além do mais, trata-se de uma equipa que gira em torno da velocidade pura de Bale para a saída de bola, uma directriz que foi anulada devido às diferentes característica de Dempsey. A simples mudança do norte-americano para a ala causou não só uma ineficiência no flanco esquerdo, mas removeu igualmente a incisividade de Desmpey no centro, onde é exímio a aproveitar segundas bolas do seu ponta-de-lança, ao contrário de Sigurdsson. Por seu turno, o médio islandês jogava demasiado à frente para ajudar defensivamente, mas não criava situações de perigo durante os momentos ofensivos - como é frequentemente intenção do treinador ao colocar um jogador deste tipo em posições tão adiantadas. AVB acabaria por perceber isso mesmo e Sigurdsson e Dempsey acabariam por trocar de posição a meio da primeira parte.

O contraste nítido do contributo de Dempsey
entre a primeira e a segunda metade da 1ª parte.

Para uma equipa com rotinas tão inculcadas no lado esquerdo, Aaron Lennon tinha de compensar essa ausência, algo que não fez até ao minuto 25, espalhando imediatamente o pânico na defesa do Chelsea. Na verdade, Lennon viria a criar a melhor oportunidade do Tottenham com Sigurdsson como destino dez minutos mais tarde. O Chelsea chegava ao intervalo a vencer e com toda a justiça.

A segunda metade foi totalmente distinta. O Tottenham libertou-se do medo de atacar e obrigar o duo de médios do Chelsea a trabalhar, algo que deu frutos de forma quase imediata, através do golo de Gallas aos 46 minutos. Alguns minutos depois, a equipa visitada marcaria o segundo tento quando Defoe desviou o remate enrolado de Lennon. Embora os primeiros 15 minutos do Tottenham se tenham ficado a dever em parte à maior intensidade e dinâmica, é importante destacar o contributo de Lennon, uma vez que era o único jogador da equipa da casa (com a excepção do fiável e impressionante Jermaine Defoe) capaz de ultrapassar adversários em situações de 1x1, levando ao seu desposicionamento.

A diferença entre a primeira e a segunda parte é nítida,
com toda a equipa do Tottenham mais ampla e avançada.

O encontro parecia então nas mãos do Tottenham. O Chelsea parecia perdido e incapaz de inverter a situação. Embora o papel de Mata e Hazard na remontada final tenha sido absolutamente fundamental, houve dois factores que actuaram contra o Tottenham: a menor capacidade de Gallas e a ténue protecção do meio-campo à sua linha mais recuada.

Os diferentes contributos defensivos de Sandro e Huddlestone

A ausência de Bale foi obviamente importante, mas a de Dembélé poderá ter sido ainda mais importante. Para além da sua capacidade de oferecer constantemente uma saída de bola, o seu desempenho defensivo é igualmente relevante. O gráfico apresentado mais acima apresenta as distintas participações defensivas de Sandro e Huddlestone, uma diferença que se tornou mais nítida à medida que o encontro se desenrolava. na verdade, a fadiga de Huddlestone foi causa directa do segundo golo do Chelsea e a sua substituição pecou por tardia.

No que diz respeito a Gallas, AVB deverá por certo ansiar pelo regresso de Kaboul ou Assou-Ekotto. Apesar do seu impressionante e vitorioso palmarés, as limitações do defesa-central francês ficaram uma vez mais à vista. Infelizmente para Gallas, o francês já não é o mesmo jogador sólido e fiável que foi em tempo e a partida de Sábado apenas expôs ainda mais as suas fragilidades. Não só o seu posicionamento se tem revelado questionável - originando alívios mal direccionados -, mas a sua leitura de jogo também parece estar a ressentir-se, como ficou provado no terceiro golo do Chelsea.

Esta foi uma partida que o Tottenham poderia e deveria ter vencido após recuperar da desvantagem inicial, não fora por alguns pecadilhos críticos no meio-campo e na defesa. Dembélé e Bale regressarão em breve, tal como Parker, Kaboul e Assou-Ekotto, o que apenas tornará a equipa mais forte. Não obstante a derrota, André Villas-Boas poderá encontrar consolo ao ver que a sua equipa está a evoluir e a caminho de se tornar suficientemente poderosa para se bater com os seus adversários olhos nos olhos.