Quase todos os anos assistimos por volta desta altura a um fenómeno curioso: do alto da cúpula, os magnânimes responsáveis dos clubes tentam atrair o público - o denominado 12º jogador - para ajudar a atingir os objectivos a que se propuseram, sejam eles chegar às competições europeias ou simplesmente evitar a zona de descida, franqueando as portas a todos os interessados. Fico sempre atónito quando tal acontece, uma vez que essa decisão vem precisamente das mesmas pessoas que não se importam de ter estádios vazios e criar uma relação de alienação quase total entre o clube e o seu público durante a maioria da época.
Por cá, continuamos a ser exímios quando a necessidade aperta, mas positivamente provincianos na organização de eventos de longa duração ou na criação estruturada de condições a médio/longo prazo. Quando o Euro 2004 foi atribuído a Portugal, logo se fizeram ouvir os argumentos costumeiros de que o evento seria benéfico para Portugal, pois os estádios iriam atrair mais público para o futebol. É óbvio que existem hoje melhores condições do que há uns anos atrás, mas o salto não parece ter sido tão exponencial quanto o previsto.
Segundo um estudo recente, a Alemanha, por exemplo, conta com estádios tão ou mais avançados do que os portugueses, mas a sua taxa de ocupação ronda os 90% em todos os jogos. Naturalmente, a maioria das pessoas referirá a questão do poder de compra, mas o cerne da questão reside precisamente aí: o preço dos bilhetes nos estádios germânicos é grosso modo idêntico ao dos portugueses, o que representa um valor real consideravelmente mais baixo. Como se não chegasse, assistir a jogos em que a nossa equipa joga em estádio alheio é incomparavelmente mais barato, não só porque os transportes são mais eficientes e abrangentes, mas também porque os preços - a eterna questão - para os adeptos visitantes não são muito mais caros do que os ingressos para os adeptos locais.
Mas porque o futebol é cada vez menos ir a um estádio para ver 22 jogadores e uma bola, os organizadores alemães investem também em actividades paralelas nas imediações do estádio durante o dia do jogo, de modo a "entreter", por assim dizer, a multidão que quer algo mais, para além, por exemplo, de incluir muitas vezes refeições ligeiras a preços reduzidos. Deste modo, ir ao futebol não só se torna acessível à maioria das carteiras, como se garante um ambiente festivo, em completo contraste com aquilo que vemos semana sim, semana não nos estádios nacionais.
O que nos vale é que, chegados a Março, a altura de aflição nos permite assitir a partidas de futebol mais em linha com o nosso verdadeiro poder de compra.