Tuesday, October 28, 2008

O mister

Os treinadores portugueses conseguem juntar o melhor e o pior. Como pior, vem-me imediatamente à cabeça a exibição do Guimarães no jogo fora contra o Portsmouth. Três centrais, dois trincos, equipa sempre atrás da linha da bola, libertando dois/três homens na frente quando tinham a posse de bola. Em pouco tempo, viram-se a perder por dois zero. Foi então que Cajuda (não tão mau como se diz, mas de longe não tão bom como se possa imaginar) resolveu apostar tudo e voltar a jogar normalmente. Resultado? O Vitória dominou o resto desse jogo e nunca mais o Portsmouth conseguiu fazer o que vinha fazendo até então.

No jogo da segunda mão, já com nada a perder, o Vitória agigantou-se, como é típico das equipas lusas, e partiu para cima do adversário. Conseguiram empatar surpreendentemente a eliminatória, mas, quando era novamente necessário, tremeram as pernas e sofreram dois golos. Faltou, como sempre, o chamado "killer instinct". Quantas vezes vimos esse cenário no campeonato português...?

Como melhor, é impossível não me recordar instantaneamente da copiosa derrota inflingida por Jorge Jesus e o seu Braga ao mesmo Portsmouth. 3-0 foi o resultado desse encontro, tendo Jesus tido no fim a enorme coragem de dizer aquilo que alguns de nós pensam mas têm medo de dizer: os treinadores ingleses (por exemplo) são muito básicos e fáceis de entender. É absolutamente evidente que, regra geral, têm equipas muito melhores, mas os treinadores portugueses em nada ficam atrás.

Perdão, não é bem assim. Precisamos quase sempre do estigma de "coitadinhos" para conseguirmos elevar-nos ao nosso estatuto. Precisamos que nos considerem "pequenos", precisamos de estar a fazer muitas contas, de dizer que o árbitro está contra nós por causa dos "grandes da UEFA", etc. É por isso que, para mim, a vitória do Braga foi tão importante - pode ser que, a partir de agora, as equipas portuguesas não tenham medo de olhar as equipas dos outros países como papões, porque, na verdade, não o são. Têm pontos fracos, como todos os plantéis. Têm jogadores menos bons. Têm terrenos e estilos de jogo onde se sentem pouco à vontade. Avancemos para cima dessas fraquezas, mesmo que o adversário seja de peso. Se não arriscarmos, nunca conseguiremos vencer.

Gostaria apenas por último de destacar José Mota. Se Mota fosse italiano, estaria na Roma ou na Fiorentina. Pouco adepto de futebol defensivo, mas obrigando as suas equipas a defender com uma enorme intensidade e levando os seus jogadores a crerem que são muito melhores do que na realidade são, Mota consegue fazer das suas equipas um adversário que ninguém deixa de temer, mesmo quando jogam fora. É óbvio que o FC Porto atravessa um momento complicado, que o Leixões teve alguma sorte em marcar um golo logo a abrir, mas teve o enorme mérito de saber defender longe da sua baliza, de não perder de vista o objectivo de atacar sempre que possível e de explorar as fraquezas do adversário (Mariano na esquerda do FC Porto? Zé Manel na direita do ataque do Leixões). Num repente, o Leixões esteve mais perto de golear do que de sofrer.

Houvesse mais treinadores assim e o campeonato estaria obrigatoriamente nivelado por cima.

Queiroz e a Selecção

A Selecção Nacional está a um pequeno passo de não ser sequer apurada para a fase final do Mundial de 2010, na África do Sul. Creio que estamos perante um facto indiscutível. Queiroz está longe de obter os resultados que se exigiam. Creio que estamos perante um facto indiscutível. A culpa é toda do seleccionador nacional. Pessoalmente, esta última afirmação parece-me menos incontestável.

Não querendo detalhar em demasia a minha opinião, gostaria contudo de enumerar um ou outro ponto. Em primeiro lugar, a já habitual comparação entre Scolari e Queiroz está a ser tudo menos justa, uma vez que se ouve muitas vezes como Scolari quase foi campeão da Europa ou quase foi campeão do Mundo ou quase vencia a Alemanha e passava às meias-finais. Scolari está para mim ao nível dos treinadores como João Vieira Pinto ao nível dos jogadores. Ambos eram bons no que faziam, mas não conseguiram passar de "figuras quase". Sim, sei que tanto um como outro ganharam títulos, mas até Tiago ou Capucho têm o título da Taça UEFA no seu palmarés.

Vencer um título não é fácil, mas consegue-se. Vencer muitos ao longo de uma carreira de forma consistente é significativamente mais difícil. Não querendo de todo pôr o trabalho de Scolari em causa (é indiscustível que o treinador brasileiro conseguiu incutir muito mais alma a uma selecção que, não raramente, sente tanta falta de estímulos positivos), custa-me um pouco ouvir apenas maravilhas do seu trabalho.

Scolari foi o mesmo que quase não conseguia o apuramento para o último Europeu. É o mesmo que toda a gente assobiava (à imagem do que acontece agora com Queiroz) nos jogos de preparação para o Euro 2004 e que toda a gente apupou quando Portugal perdeu o jogo inicial contra a Grécia. Scolari teve cerca de uma dezena de jogos para rotinar a equipa e, mesmo assim, só mudou tudo na segunda jornada de grupos do Euro 2004. Scolari teve a sorte e o condão de aproveitar o núcleo duro do FC Porto campeão europeu. Senão, vejamos como os seus resultados foram caindo sucessivamente à medida que esse núcleo duro se ia desfazendo. Perguntemo-nos por que razão Ronaldo não tinha de longe o aproveitamento na Selecção que demonstrava no seu clube ou por que razão o treinador brasileiro nunca conseguiu vencer uma selecção que estivesse numa posição superior no ranking das equipas europeias.

Queiroz cometeu alguns erros, naturalmente. No entanto, se Portugal tivesse ganho a partida frente à Dinamarca, a Internet estaria neste momento inundada de comentários sobre as maravilhas de Queiroz face a Scolari - do desmantelamento do "clube dos 20 amigos" (Ricardo nunca mais se viu) à chamada de jogadores que mereciam pelo menos uma hipótese (de Danny a Eduardo, de Pedro Mendes a Antunes). Infelizmente para todos nós, perdeu esse encontro e empatou frente à Albânia. Resultados decepcionantes? Sim, sem dúvida, mas isso leva-nos ao segundo ponto.

Scolari veio revolucionar em parte o futebol da Selecção portuguesa. Num repente, toda a gente passou a considerar que o apuramento para as fases finais das competições de selecções era obrigatório (e muito bem, na minha opinião). No entanto, o investimento em Scolari e restante equipa levou a um desinvestimento óbvio no resto do edifício da selecção. De um momento para o outro, a formação - uma das principais características transversais do futebol português - quase deixou de existir. Em simultâneo com as grandes façanhas da selecção principal, as selecções mais jovens foram começando a desaparecer do roteiro dos torneios mais importantes (muitos lembrar-se-ão do fracasso do Euro 2007 de sub-21, organizado em Portugal ou dos sub-20 há dois anos). Com efeito, os jogadores jovens, já com tão pouco espaço no clube, deixaram de ter as condições e os incentivos que iam tendo até então nas selecções mais jovens em detrimento da equipa nacional.

Pessoalmente, creio que Queiroz está a fazer um pouco o contrário, ao tentar conciliar melhor essas duas vertentes - criar uma equipa competitiva sem com isso esmagar o desenvolvimento das camadas jovens. E é isso que lhe estão a cobrar: o adiamento da construção de uma equipa que tem de começar a vencer já (e Queiroz está ainda longe de ter conseguido encontrar uma equipa tipo) de modo a não hipotecar o futuro dos futebolistas portugueses que começam hoje a despontar nos seus clubes. Se Scolari não foi despedido antes do Euro 2004, numa altura em que toda a gente pedia a sua cabeça por não conseguir construir uma equipa fantástica com tantos jogadores de primeira linha, porque não dar algum tempo a Queiroz? E até que ponto seria assim tão prejudicial perder inclusivamente o comboio deste Mundial para conseguirmos ter um desenvolvimento sustentável nos anos vindouros?

Um Porto em lume brando

Desde a época de 2004/05 (a de del Neri, Fernandez e Couceiro, de má memória para os portistas) que o FC Porto não tinha tão poucos pontos para o campeonato. Estranhamente, tal não se deveu às deslocações que teve de fazer aos terrenos de Sporting e Benfica, onde por sinal até conseguiu empatar uma partida e vencer a outra. Pelo contrário, o resultado inclui um empate no terreno do Rio Ave e uma derrota em casa contra o Leixões. Pelo meio, vitória em Alvalade, empate na Luz, derrota estrondosa em Londres e em casa contra o Dínamo de Kiev. Em todos estes jogos, o FC Porto foi capaz de conciliar o melhor (a exibição na Luz foi muito bem conseguida, por exemplo) com o pior (a exibição de Londres é muito má e os sinais deixados nalguns outros campos não apontam para o melhor sentido).

É difícil, a tarefa de Jesualdo? Sem dúvida. Conseguir fazer uma equipa este ano terá sido das tarefas mais árduas da carreira do treinador portista. Ficar sem Bosingwa, Paulo Assunção e Quaresma no mesmo ano não é propriamente "pera doce", particularmente quando os substitutos são jogadores senão com menos valor, com um estatuto incomparavelmente menor.

Sapunaru está a atravessar um momento difícil, hesitando a atacar (logo, não dando profundidade a um sector já de si muito manco) e complicando a defender. A meio, quando se pensava que o substituto estava encontrado, e já depois de alguns elogios da praça pública e consequente renovação de contrato, eis que Fernando perde a titularidade. Paulo Assunção faz falta para dar ordem à equipa, algo que ninguém tem conseguido fazer melhor do que Fernando, para já. Na frente, alguns equívocos. Rodríguez virá ainda a dar frutos. É um jogador jovem, inteligente, mas a quem ainda falta alguma liberdade de movimentos e compreensão dos 4x3x3. Não obstante, tem sido por aí que o FC Porto tem canalizado o seu jogo, especialmente porque no lado direito não mora ninguém. Se, nos jogos grandes, Tomás Costa (uma excelente contratação) consegue fazer o lugar de extremo-direito para ajudar Sapunaru nas tarefas defensivas, nos jogos em que a iniciativa ofensiva pertence aos dragões, não há alternativas credíveis para o lado direito, um fenómeno tanto mais estranho quando essa foi a posição em que o FC Porto mais "despachou" jogadores.

Compreende-se mal que Farías nunca seja opção para Jesualdo, mas que Adriano, por exemplo, um jogador que já se relevou muito útil, não esteja sequer inscrito. Compreende-se mal que Tarik faça quase um jogo inteiro e desapareça da lista de convocados no seguinte. Compreende-se mal que se contrate Benítez, se mantenha Lino e se venda Cech, um jogador muito mais evoluído e inteligente. Por último, compreende-se mal que Hulk, ainda que dotado de uma força física notável, entre de supetão na equipa, quando é tão óbvio que está ainda muito longe de estar preparado, mental e tacticamente, para jogar no futebol europeu. Isto não significa que não possa vir a ser um bom jogador, num futuro próximo, mas, neste momento, contribui muito mais para a desorganização da equipa (ofensiva e defensiva) do que para bons resultados. Provas? Pense-se nos dois últimos jogos que o FC Porto efectuou, nos respectivos resultados e manobras ofensivas. Pessoalmente, vem-me um exemplo claro à memória. A partir do momento em que Jesualdo Ferreira tirou Rodríguez, não mais o FC Porto conseguiu criar espaços no lado esquerdo, lado pelo qual surgiram os dois últimos golos do Leixões (um dos quais mal anulado). Coincidência, porventura...?

O nível do campeonato

Ao fim de 6 jornadas, eis-nos com uma classificação no mínimo estranha, com Leixões e Nacional a liderarem o campeonato nacional, especialmente tendo em conta que os de Matosinhos já empataram com o Benfica e foram vencer ao Dragão. Gostaria muito de poder dizer que isto seria o aumento de qualidade de que todos estávamos à procura (especialmente desde a tão badalada redução do número de equipas para 16 e os supostos resultados miraculosos) - o propalado "nivelamento por cima". Infelizmente, não é o que se passa. Por mais que me agrade a perspectiva de os jogos terem neste momento uma maior dose de incerteza, não tenho bem a certeza de que isso seja necessariamente o reflexo de uma melhoria de qualidade quer do campeonato, quer das equipas nele envolvidas.

Por um lado, é mais ou menos incontestável que as equipas ditas "pequenas" estão bastante mais apetrechadas, quer ao nível das infra-estruturas, quer ao nível dos responsáveis técnicos e das qualificações destes. Ou seja, por si só, as equipas que lutam constantemente pela manutenção e pela Europa foram conseguindo encurtar distâncias face aos três crónicos candidatos ao título.

No entanto, não creio que essa seja a única resposta. Na realidade, creio que o nivelamento se rege bastante mais pelo andamento das equipas grandes - e estas têm vindo a perder sucessivamente poder de compra, sendo contudo obrigadas a manter as exigências. Senão, vejamos: nos últimos 5 anos, o futebol português perdeu Ronaldo, Quaresma (duas vezes), Simão (duas vezes), Anderson, Ricardo Carvalho, Deco, Nani, Boswingwa e Pepe, por exemplo, não falando de Maniche, Costinha, Nuno Valente, Paulo Ferreira, Derlei (agora regressado), Danny (o tal dos 30 milhões de euros do Zenit), entre muitos outros. Com efeito, nenhum dos três grandes foi conseguindo fazer frente à procura de novos talentos e à venda dos seus melhores activos, em grande parte necessária para o equilíbrio das contas, uma vez que os clubes portugueses continuam sem saber como vender o seu produto - mas isso será tema para outra conversa.

Como conclusão, e porque as análises costumam ser bastante subjectivas, lanço apenas a questão dos resultados das equipas portuguesas nas competições europeias, em primeiro lugar. O Guimarães não conseguiu sequer chegar à Liga dos Campeões frente ao modestíssimo Basileia e muito menos logrou vencer o Portsmouth. O Setúbal foi copiosamente afastado por uma equipa do meio da tabela holandesa. Tanto FC Porto como Sporting foram absolutamente dizimados no reduto do cabeça de série do respectivo grupo e manifestam algumas dificuldades. Do lote, creio que apenas o Braga conseguiu remar contra a maré e aplicar "chapa três" a uma equipa com um orçamento várias vezes superior ao seu. Em segundo lugar, gostaria apenas de referir que, neste momento, as equipas portuguesas têm três saídas: contratação de jogadores de créditos mais ou menos firmados, mas em sentido descendente (Reyes ou Aimar, por exemplo), investimento claro e assumido nas camadas jovens e tentativa de máxima rentabilização e contratação de jogadores (ainda jovens) dos mercados de segunda e terceira linhas na esperança de descobrirem "pérolas" no meio da areia antes dos tubarões europeus. Com estes pressupostos, é difícil fazer uma equipa, quanto mais mantê-la.