Saturday, May 24, 2008

A noite de Ronaldo

A Liga dos Campeões chegou ao fim na noite de quarte-feira, depois de um jogo empolgante e muito bom. Foram quase três horas de incerteza, emoção e oscilações tácticas e não só. As equipas apresentaram-se como se esperava (pessoalmente, fiquei surpreendido com Alex Ferguson, pois não imaginava que se arriscasse a jogar com Rooney e Tévez): o Chelsea no seu habitual 4x3x3, Joe Cole na direita do ataque, Malouda na esquerda e o melhor trio do meio-campo à disposição de Avram Grant - Makelele, Lampard e Ballack. O Manchester United apresentava por seu lado um 4x4x2 (até há pouco tempo, a imagem de marca de Alex Ferguson), com Ronaldo e Hargreaves na esquerda e direita do ataque, respectivamente, e um meio-campo constituído por Scholes e Carrick.

O jogo começou com as coordenadas previsíveis. O Manchester United predispôs-se imediatamente a atacar a baliza do Chelsea, que, por seu turno, se contentava em defender a sua baliza - afinal de contas, uma das suas vocações - e espreitar o contra-ataque de quando em vez. Até marcar o golo, a equipa de Manchester praticou o seu futebol habitual: saídas de bola através dos centrais, com os defesas-laterais a encostarem-se imediatamente à linha do meio-campo, tanto através de passes longos como entregando a bola a Scholes, para que este organizasse o jogo ofensivo da sua equipa. Carrick jogava quase sempre na mesma linha de Scholes (foram várias as vezes em que foi possível ver os dois de perfil, quase), deixando a Ronaldo, na esquerda, as iniciativas ofensivas. Hargreaves cumpria mais uma função neste seu primeiro ano no United, depois de lateral, médio ofensivo e médio de contenção, abrindo espaços na direita tanto para as entradas de Wes Brown, o defesa-direito de serviço, como para as penetrações de Rooney e Tévez. Estes dois atacantes moviam-se na frente do ataque com as características que lhe são conhecidas, deslocando-se tanto para os flancos para servirem de ponto de apoio a Hargreaves ou Ronaldo como recuando no terreno para encararem a baliza de frente. Graças a estas movimentações (e à menor coordenação defensiva de Ballack e Malouda, por exemplo), o Chelsea foi dominado durante 25 minutos, tendo inclusivamente sofrido o primeiro golo de Cristiano Ronaldo, após cruzamento de Wes Brown (de pé esquerdo). Marcado o golo, o Manchester pensou ter o jogo resolvido e deixou de se movimentar conforme o tinha feito até então, passando a apostar mais no trio Ronaldo-Rooney-Tévez, encostando frequentemente Hargreaves ao duo do meio-campo.

Como consequência, o Chelsea foi equilibrando a contenda, com Lampard e Ballack a disporem agora de mais espaço para o seu futebol curto e de variações de flanco. Joe Cole foi continuando a fazer o seu trabalho de sempre, ora progredindo pela ala, ora descaindo para o centro, para que Essien (um mouro de trabalho com uma preparação física impressionante) entrasse em profundidade. Não foi por isso surpreendente que o Chelsea chegasse ao golo, com alguma sorte, diga-se, depois de um remate interceptado de Essien, com Lampard a chegar antes de van der Sar, que havia escorregado. O golo surgiu ao cair do pano da primeira parte, o que alterou radicalmente o que se antevia para a segunda parte.

A segunda parte foi dominada por completo pelo Chelsea, em boa parte graças ao jogo mais próximo do meio-campo do Chelsea e às mais e melhores deambulações de Joe Cole. Drogba, esse, continuava na sua luta incansável no ataque, dando pano para mangas a Ferdinand e Vidic, ao contrário de Malouda, uma absoluta sombra dos seus tempos em Lyon. Assim, e porque Scholes "pedia" a substituição há já algum tempo e porque Carrick se limita a defender, parecendo ter sempre receio de se aventurar em iniciativas ofensivas, o Chelsea foi encostando o Manchester às cordas, criando ocasiões de perigo para a baliza adversária, mas sem conseguir marcar. Drogba conseguiu ainda enviar uma bola ao poste com um remate fantástico, mas insuficiente.

O prolongamento desenrolou-se da mesma forma, mostrando um Chelsea obstinado na sua missão e um Manchester enredado nas suas próprias paredes tácticas, com Rooney e Tévez a perderem fulgor e Hargreaves definitivamente encostado ao meio-campo, dadas as dificuldades em travar Lampard e Ballack. A entrada de Kalou permitiu ao Chelsea ter duas alas durante breves instantes, até à entrada do eternamente inoperante Anelka, um dos maiores bluffs da história do futebol. Lampard teve ainda tempo para enviar nova bola à barra e Drogba conseguiu ser expulso depois de uma escaramuça com Vidic, entre outros, o que teve o condão de despertar a agressividade (a todos os níveis) do Chelsea.

Chegámos assim aos penalties, onde os nervos se revelam e os guarda-redes se podem revelar decisivos. Ronaldo foi o único a falhar, em 9 penalties, e Terry "apenas" tinha de fazer o que lhe competia, o que não conseguiu. Anelka mostrou a sua falta de nervo, ao rematar de forma denunciada e ao vir mostrar-se agastado após o jogo por jogar pouco, fora da sua posição e ainda lhe pedirem para marcar um dos primeiros 5 penalties, o que recusou, por ter entrado há pouco tempo. Com atitudes destas, não admira que alguns marquem e comemorem vitórias, enquanto outros se preocupam com o salário ou minutos de jogo.

Conclusões finais: Avram Grant deverá ter selado em definitivo o seu destino, ao não conseguir ganhar qualquer título, perdendo pelo caminho duas finais que teve na mão (algo impensável até há pouco tempo, para os lados de Stamford Bridge). Abramovich deve estar neste momento arrependido e há algum tempo à procura de um novo timoneiro, depois de ver falhar a sua estratégia (??). Ronaldo conseguiu a sua consagração europeia, apesar de não ter efectuado uma exibição brilhante (não obstante o excelente golo marcado), mostrando todas as suas dificuldades quando marcado por um bom defesa e quando a equipa adversária se mostra inteligente, não lhe oferecendo os espaços de que precisa para se virar para a baliza e embalar. Alex Ferguson ganhou o seu segundo troféu europeu em mais de 20 anos e mostrou que o Manchester esteve este ano uns furos acima do normal, graças também aos muitos milhões de euros dispendidos no defeso.

Creio que, ao fim e ao cabo, este desfecho poderá ser considerado o mais justo, se tivermos em conta as exibições e resultados de ambas as equipas ao longo da época, tendo o Manchester revelado uma maior estabilidade, tanto interna como externa. Veremos dentro de pouco tempo quem será o novo responsável técnico do Chelsea e até que ponto os milhões de Abramovich (que tantos pensavam ser a razão do sucesso de Mourinho) conseguirão fazer novos milagres.

Tuesday, May 20, 2008

Final da Liga dos Campeões: Mourinho continuará ou não a ser o "Special One"?

A Liga dos Campeões tem inúmeros atractivos. É sem dúvida a competição mais apetecível para todos os que têm aspirações a uma conquista gloriosa que deixe o seu nome na história. Pelo lado dos clubes, o prestígio vem acompanhado, em proporção directa, pelo significativo encaixe financeiro, o qual nunca é de todo de desprezar (uma vez que se traduz em maiores receitas directas e indirectas, seja através das bilheteiras com maior afluência no ano seguinte, o aumento das vendas de camisolas com os heróis da final, a possibilidade de contratar estrelas mais cintilantes ou até de conseguir contratos mais vantajosos com os patrocinadores). Por tudo isto, a final da Liga dos Campeões é sempre a quimera que todos pretendem alcançar, especialmente porque a Taça UEFA ficou absolutamente vazia de sentido a partir do momento em que os segundos, terceiros e quartos classificados de muitos países passaram a ter acesso directo ou muito facilitado.

Só assim se explica que esta final vá ser disputada por duas equipas inglesas, uma das quais não venceu o campeonato da época passada, mas isso já pouco importa para este texto. Na minha opinião, parece-me que esta final se divide, mais do que nunca, em várias facções opostas entre si. É certo e sabido que este tipo de jogos atrai muita gente que, regra geral, até nem coloca o futebol na sua lista de prioridades, mas esta partida é diferente.

1) De um lado vão estar todos aqueles que esperam que Cristiano Ronaldo confirme finalmente em plena Liga dos Campeões as diabruras que faz a adversários mais "tenros" e marque um golo à única equipa a quem ainda não o fez. Essas serão as pessoas que, em meados de Junho, estarão a torcer para que nada aconteça ao rapaz-maravilha para que o Europeu possa correr bem a Portugal. No outro lado da barricada, estarão todos aqueles que, apesar dos mais de 60 golos marcados nas duas últimas épocas, ainda acham que Ronaldo é um "bem" algo inflacionado. Por seu turno, estes estarão à espera que Ronaldo falhe rotundamente em mais um momento das grandes decisões para poderem repudiar convenientemente Scolari e o seu séquito.

2) Uma outra batalha prende-se com a eterna questão do futebol espectáculo. O Manchester chegou ao final do campeonato com uma diferença de 19 golos para o Chelsea, o que permite retirar a conclusão lógica que, com o Manchester em campo, há golos pela certa (ainda que nem sempre para o lado que o clube deseja). Ou seja, vai haver quem queira que se faça justiça à equipa que joga sempre para ganhar (e golear, se possível) e haverá quem torça pela antiga equipa de Mourinho, sempre mais "resultadista" - como se diz hoje em dia.

3) Mourinho será sem sombra de dúvida uma das questões centrais deste jogo. Há neste momento meio mundo (essa metade é em grande parte constituída por cidadãos britânicos) ansioso por dizer de sua justiça, caso o Chelsea vença a prova. Se, neste momento, já se ouvem ecos de que foi preciso Mourinho sair para o Chelsea chegar à final da Liga dos Campeões (e para começar a perder finais, já agora), ainda que nas mãos de um treinador sem o grau máximo atribuído pela UEFA, imaginemos o que acontecerá se o Chelsea se sagrar vencedor. Vão chover os habituais chavões de que o dinheiro não é tudo, de que o "português" não passa de um truque publicitário e de que, antes de tratar da imagem, é preciso saber o que se faz como treinador. A outra metade do mundo vai estar certamente a torcer pelo treinador luso, o qual, após sair do FC Porto, passou a estrela nacional, apesar de tanto ter sido criticado enquanto andava por terras nacionais. São essas pessoas que vão torcer, de forma mais ou menos fervorosa, para que o Chelsea perca e Abramovich perceba a frase do mister português quando chegou a Stamford Bridge: "Mr. Abramovich, não precisa de nenhuma estrela para ser campeão. A única estrela sou eu."

Independentemente de todas estas questões, o jogo de amanhã tem tudo para ser um jogo de futebol fantástico, ainda que isso não signifique necessariamente que se trate de um jogo muito vistoso. Ambas as equipas já se conhecem demasiado bem para haver grandes surpresas (ainda que Alex Ferguson padeça de alguma "trenadorite" e tenha uma certa tendência a inovar quando menos se espera) e ambas estarão suficientemente preocupadas em não entregar o ouro ao bandido.

O Chelsea vai provavelmente apostar numa toada de contenção, não só porque é considerado o "patinho feio" da final, mas também porque terá constantemente a preocupação de rodear Ronaldo de homens suficientes que o impeçam tanto de deambular pelo campo como de se virar e ganhar embalo. Além do mais, com homens como Ballack, Lampard, Terry e Drogba, o Chelsea não é famoso pelas suas transições rápidas, mas antes por saber quando desferir o golpe fatal. Não obstante, não tem a mesma estrutura mental que tinha anteriormente e os jogadores parecem efectivamente muito cansados, muito provavelmente pela falta de descanso para tentar chegar ao título no sprint final.

Pelo seu lado, o Manchester já demonstrou estar com "fome de bola". Cristiano Ronaldo vai estar desejoso de provar ao mundo que é o melhor jogador da actualidade e Ferguson não se quer ver a perder. É quanto a mim indiscutível que o Machester ganhou finalmente estatuto de equipa europeia (descolando finalmente do lote do Arsenal, por exemplo, enquanto equipa que promete, mas que não sabe a diferença entre futebol espectáculo e vencer títulos) e que defende bastante melhor hoje do que fazia há um ano atrás, por exemplo. Seja como for, a equipa de Manchester revela sempre algumas dificuldades quando o adversário ataca de forma contínua, mostrando-se frequentemente desorganizada, ao contrário do Chelsea, que, graças aos vários anos com Mourinho, sabe sofrer encostada às cordas e apontar Drogba à baliza adversária em seguida. Foi exactamente o que se viu na meia-final contra o Liverpool.

Para terminar, gostaria apenas de agradecer a vossa participação na mini-sondagem para a final de amanhã e esperar que o jogo seja tão bom como todos esperam. Pela minha parte, posso garantir que estarei colado ao televisor durante pelo menos 90 minutos, ansioso por ver quem cede primeiro.

Monday, May 19, 2008

Um Porto de férias e um treinador ausente

Não, o primeiro post deste blog não será para maldizer as equipas que jogam para o resultado nem para afirmar verdades balofas sobre como o futebol deveria ser espectáculo, especialmente em jogos de Taça. Por mais que me agrade a componente dos golos, no futebol, não é ela que me mantém constantemente colado ao ecrã da televisão (para mal dos pecados das várias pessoas que coabitam comigo).

Antes de mais, a ressalva fundamental: é sempre muito mais fácil falar de fora do que estar no banco ou em campo. Dito isto, há algumas questões que me parecem fundamentais no jogo de ontem. Comecemos então pela primeira:

1) O onze titular. Se é verdade que os jogadores sozinhos não ganham jogos, poderemos depreender que os onzes escalados de início tão pouco levarão às vitórias. No entanto, há alguns aspectos que me parecem aplicar-se vezes sem conta. Com efeito (e nisso Jesualdo Ferreira parece ter algumas dificuldades), um onze pode esconder tanto quanto pode revelar. Regra geral, o FC Porto das últimas duas épocas tende a alterar não só a sua forma de jogar, como também o seu onze titular, dando logo a entender uma adaptação (a meu ver) exagerada ao adversário, quase como se fosse mais importante não perder do que ganhar. Por melhor que qualquer táctica seja no papel, são os jogadores que a têm de sentir e intepretar; esse sentimento e interpretação são influenciados, entre outros, por factores motivacionais. Como tal, é mais do que natural que tanto os adversários como os próprios jogadores do FC Porto retirem as suas ilacções. Enquanto que o Sporting se apresentava com o seu onze na máxima força, o FC Porto mostrava-se preocupado com as incursões de Abel (colocando João Paulo à esquerda, uma adaptação que dificilmente funcionará satisfatoriamente) e lançava Mariano González, um jogador voluntarioso mas que não poderá nunca fazer parte dade uma equipa titular que queira ganhar finais, no lugar de Tarik, esse sim, bastante mais fadado para os grandes momentos.

2) Embora Jesualdo Ferreira pareça não compreender, a alteração de uma simples pedra altera equilíbrios e processos numa equipa, especialmente quando essa equipa esteve habituada a iniciar as suas jogadas de ataque pelas alas (por Bosingwa e Fucile) ao longo de toda a época. O mesmo tinha acontecido em Gelsenkirchen e Londres, com os mesmos resultados: uma avalancha ofensiva do adversário, dados os constantes desentendimentos e desequilíbrios provocados por jogadores com características e funções específicas demasiado diferentes dos habituais titulares. Por conseguinte, não surpreendeu ninguém que o FC Porto tivesse passado uma grande parte da primeira metade a encontrar-se defensivamente e a perder-se no ataque.

3) O ataque não existiu, pura e simplesmente, à parte alguns fogachos individuais. Lucho parecia algo deslocado e surpreendido com tudo o que ia acontecendo nas suas costas e Raúl Meireles fazia os possíveis e impossíveis para ajudar João Paulo a defender (uma vez que este tinha tendência ou instruções para se encostar aos dois centrais) e para dar uma "perninha" no ataque, uma vez que Mariano é e será sempre Mariano (um suplente esforçado, no máximo) e Quaresma é... Quaresma. Ou seja, não havia as habituais transições ofensivas rápidas, de que Jesualdo tanto gosta, pois não havia quem as executasse. Fucile tem momentos de caos táctico, para além das constantes perdas de bola supérfluas de Quaresma no meio do campo, com a equipa balanceada para a frente, João Paulo não estava ali para passar a linha do meio-campo e Lisandro estava preso entre os centrais.

4) Quaresma merece uma secção só para si. Não sei o que lhe passa pela cabeça: se são os constantes burburinhos sobre transferências milionárias, se é um egocentrismo desmesurado que ninguém contraria, se é "perrice" por os holofotes penderem actualmente mais sobre Lucho e Lisandro, mas o facto é as suas exibições são de bradar aos céus. Desconcentrado, parecendo viver num universo paralelo (o que tem bastante mais de mau do que de bom), aliena-se constantemente das consequências que as suas acções poderão ter para a sua equipa, havendo pelo menos três situações claras de perigo eminente para Nuno graças às suas perdas de bola infantis. Compreendo com dificuldade o estado de graça de que Quaresma parece usufruir. Com 24 anos, ainda não aprendeu os timings de quando deve passar, fintar, rematar ou simplesmente não perder a bola. Ao contrário de Cristiano Ronaldo (note-se que, quando os dois surgiram, eu afirmei que dava muito mais por Quaresma do que por Ronaldo), parece ter aprendido pouco e com pouca vontade de melhorar o seu jogo para a equipa. E assim se perde um talento potencial... Bem sei que um talento destes pode resolver um jogo, mas, ao fim de mais de 90 minutos de jogo, o que esperava Jesualdo para retirar de campo um ineficiente e aparentemente desalentado Quaresma?

5) Por último, que o texto já vai longo, Raúl Meireles. Um médio que cumpre muito bem as funções de número 8 no 4x3x3 desenhado por Jesualdo, mas que raramente parece aguentar 90 minutos de futebol intenso. Ainda assim, fez várias posições e nem mesmo quando rebentou por completo, gritando de forma sonora ao efectuar um corte em esforço absoluto, teve direito à substituição. É-me difícil entender a razão para tal, pois só vejo duas hipóteses: ou Jesualdo acha que o banco que tem (criado à sua imagem, com "jogadores altos e possantes", como pedira) não é capaz de render o onze titular ou o conceito inicial estava à partida errado, uma vez que uma equipa não pode viver apenas de Bolattis e Kazmierczaks, como ontem se viu. E o Porto acabou a época a jogar sem reforços, à excepção de Mariano González, e sem capacidade de segurar a bola.