Wednesday, April 6, 2011

O cordeiro e o lobo

A imprensa (desportiva) britânica é sempre capaz de me fazer sorrir. Em primeiro lugar, porque não só têm um sentido de humor apurado, como lhes é permitido fazer uso do mesmo, sem com isso perderem autoridade para falar seja de que tema for. Em segundo lugar, porque a sua insularidade os leva a conceber e proferir afirmações que parecem absolutamente incapazes de terem sido pensadas por quem sabe algo sobre futebol.

Nos dias que antecederam o confronto entre Real Madrid e Tottenham, quase parecia que à equipa da capital espanhola não restava qualquer hipótese, ainda para mais depois da primeira derrota caseira de uma equipa de Mourinho em 9 anos. Folheando os jornais, blogues e artigos de opinião, lia-se todo o tipo de justificações para a passagem dos Spurs à fase seguinte, incluindo um texto particularmente brilhante sobre como o complexo de inferioridade da equipa inglesa seria o ideal para ultrapassar os madrilenos.

Curiosamente, para a maioria dos colunistas das terras de Sua Majestade, a vertente táctica parece ser sempre algo quase pecaminoso ou contagioso. Quando Rafael van der Vaart se mudou de Madrid para Londres, há época e meia, os jornais fizeram grandes parangonas sobre o facto de Harry Redknapp, o treinador da equipa, nunca falar sobre tácticas. Quando van der Vaart explodiu na competição nacional, estava-se perante a derradeira prova de que a táctica era prejudicial.

Se é um facto que o factor motivacional é absolutamente preponderante no desporto (mas não só, claro está), o jogo de ontem foi uma das melhores formas de ver o que a táctica pode fazer. Aos 3 minutos, os Spurs já perdiam, com uma absoluta confusão sobre quem deveria marcar quem ou que espaço. Luka Modric e Gareth Bale, os dois melhores jogadores da equipa, começaram fora das suas posições, sendo que o galês Bale, a grande ameaça do clube inglês, não tocou na bola nos primeiros dez minutos. Peter Crouch, num acesso mais de vontade do que de malícia, viu no jogo de ontem dois cartões amarelos em menos de 15 minutos, deixando a sua equipa com menos um jogador. E o que se viu? Ao invés de uma equipa ciente das sua limitações e necessidades, vimos uma equipa desorganizada, sem capacidade de sair a jogar, sem noção de defesa posicional e que partiu por completo a meio da segunda parte. Redknapp teria muito aprender com a forma como as equipas de Mourinho nunca se partem, mesmo com dez, em desvantagem, num terreno com um ambiente sufocante (lembre-se o jogo entre Barça e Inter em Camp Nou, na última edição da Liga dos Campeões, por exemplo).

A táctica não se destina a aborrecer e limitar os jogadores. Pelo contrário, pretende ajudá-los ao mostrar-lhes as melhores soluções (espera-se) para os diversos cenários que podem ocorrer durante um jogo, para que possam explanar todo o seu futebol. Curiosamente, hoje não se abordam na imprensa inglesa as tácticas de que Redknapp nunca fala.