Monday, June 23, 2008

A mesma Holanda de sempre

São muitas raras as vezes que uma selecção chega e um Campeonato da Europa e do Mundo e leva tudo à sua frente - do jogo de abertura até à final. Não tenho uma memória assim tão boa que me permita puxar dos galões e dizer que isso nunca aconteceu. Creio que o último exemplo de um vencedor mais ou menos antecipado foi o Brasil de... Scolari, em 2002, com um Ronaldo em forma, apostado em recuperar o seu prestígio (e uma transferência para o Real Madrid) e uma ausência gritante de adversários de valor. Seja como for, esse Brasil raramente chegou a jogar bem e a encantar.

Este é um dos principais problemas do futebol e dele padecem tanto jogadores como comentadores supostamente conhecedores. Hélder Postiga, por exemplo, disse nos últimos dias que apostava na Holanda para vencer o Europeu por marcar muitos golos. Não tenho a certeza se a frase é mais assustadora pelo seu conteúdo ou pelo facto de a pessoa que a proferiu ser supostamente um jogador de topo, alguém que deveria saber mais sobre os motivos por que se ganham e perdem jogos. No futebol, quase toda a gente gosta dos que dão mais espectáculo, dos que sabem fazer as melhores fintas, dos que marcam golos de fora da área, dos que vencem e quase humilham os adversários. Só assim se percebe que o Brasil, por exemplo, tenha tantos adeptos incondicionais provenientes de outros países. Não nos enganemos: o jeito para a modalide é muito importante. No entanto, feliz ou infelizmente, não é tudo, e os holandeses parecem não conseguir perceber onde está o meio-termo.

Se raramente uma selecção faz justiça ao adágio romano "veni, vidi e vici", tal poderá ser explicado pela dificuldade em manter sempre o mesmo nível ao longo de 3/4 semanas, pelo facto de essa selecção passar a estar debaixo dos holofotes e todas as outras quererem derrotá-la, mas principalmente, na minha opinião, porque os jogadores passam a ter um certo complexo de superioridade, uma espécie de relaxamento por saberem que marcam muitos golos e que o seu futebol de ataque é aparantemente invencível. Pessoalmente, creio que a Holanda cedeu a todos estes pecados.

Depois de terminarem o famoso "grupo da morte" com 9 pontos, frutos de três vitórias, 9 golos marcados e apenas 1 sofrido, vencendo as finalistas do último Mundial por três golos de diferença, todas as atenções se viraram para a Holanda, que passou a ser o inimigo público. De repente, a expressão "futebol total" voltou às bocas do mundo, fazendo com que muita gente ficasse absolutamente deslumbrada com os golos, os contra-ataques, laterais que assistiam e marcavam. E é aqui que me custa compreender algumas pessoas e posições: compreendo perfeitamente que o "comum mortal" se sinta atraído pelo futebol holandês (eu também gosto muito de jogo ao primeiro toque, fintas, golos de fora da área ou antecedidos de 34 toques), mas isso não equivale a dizer que se trata de uma boa equipa. Com um olhar mais atento, detectar-se-iam, ainda na primeira fase, todos os defeitos que a Holanda viria a demonstrar na derrota com a Rússia: o tal futebol total, seguido da descompensação total, com defesas "duros de rins", apesar de experientes, e uma torre de dois médios defensivos - muito bons a destruir, mas com muitas dificuldades sob pressão e na construção de jogo. A comunicação entre defesas/médios defensivos e as linhas mais avançadas aparentava ser muito frágil e facilmente anuláveis. Restava saber até que ponto a Holanda conseguiria dar a volta ao problema. Em poucas palavras, não conseguiu.

À semelhança do que já aqui referi aqui relativamente à questão de Scolari e Portugal, van Basten sofre também ele do problema de não parecer imaginar-se no papel de derrotado. A Holanda não tinha plano B, não parecia saber o que fazer se se apanhasse a perder e parecia não ter treinadas alternativas ao seu plano de jogo habitual. Uma das coisas mais importantes em qualquer modelo de jogo é precisamente avaliar as fragilidades da própria equipa e tentar mascará-las e encontrar-lhes solução. Nem Portugal nem a Holanda tiveram arte e engenho e saíram do Euro com toda a justiça.

2 comments:

Anonymous said...

É sempre um momento de aprendizagem ler estes posts, fica-se a pensar que se calhar o futebol é mais do que 11 tipos contra outros 11, onde ganham os com mais jeito para a bola, como quase sempre acontece nos jogos de solteiros contra casados.

Vasco Mota Pereira said...

Muito obrigado pelo seu comentário, Anónimo. Fico lisonjeado por achar que este espaço pode ser de alguma aprendizagem, seja ela qual for. Como representante dos jogos de solteiros contra casados, posso dizer com certeza que, especialmente nesses jogos, raramente ganha a equipa dos que têm mais jeito para a bola. Basta um ou dois organizados e com a cabeça no sítio para fazer pender a balança para o outro lado.