Monday, April 2, 2012

O estranho caso de Hugo Viana


Ultimamente, inúmeros colunistas e comentadores têm caracterizado como pouco razoável a ausência de Hugo Viana do onze titular da equipa das quinas no próximo Campeonato Europeu (ou, pelo menos, a sua falta no grupo da Selecção).Com efeito, o médio bracarense tem vindo a revelar-se como provavelmente o melhor médio desta edição da Liga Zon Sagres e, como tal, é natural que se questione a sua ausência.

No futebol, como em tantas outras áreas, o contexto é fundamental. Quer se trate do treinador de um clube ou de um seleccionador nacional, é essencial que os jogadores contratados/seleccionados correspondam ao modelo de jogo do treinador, e não apenas em função das suas boas exibições no seu clube (anterior). Caso contrário, o treinador ver-se-á confrontado com um punhado de jogadores com pouco ou nada em comum, criando cenários caóticos que vemos com demasiada frequência no futebol (o caso de Gian Piero Gasperini no Inter vem imediatamente à memória*), nos quais o treinador tem em mãos a ingrata tarefa de tentar congeminar um qualquer modelo capaz de acolher todos os atletas. Se dúvidas houvesse, essa é a forma ideal para arruinar uma equipa e o respectivo treinador - bastando pensar na forma como Real Madrid, Liverpool, Chelsea ou Manchester City acabaram por gastar tanto dinheiro em contratações malogradas (de Wayne Bridge a Shevchenko ou Torres, de Robinho a Sahin, passando por Carroll ou Charlie Adam), clubes esses que tiveram uma enorme dificuldade em livrar-se desses activos. No caso das selecções nacionais, será suficiente pensar nos motivos que levam os próprios adeptos a criticarem os desempenhos de Messi, Ronaldo, Lampard ou Gerrard (entre muitos outros casos).

Por mais decisivo que Viana tenha vindo a ser na fantástica temporada do Sporting de Braga, é importante verificar se as suas características, qualidades e defeitos se adequam às ideias de Paulo Bento. Não é o objectivo do presente artigo concordar ou discordar das perspectivas do seleccionador nacional, uma vez que lhe compete a ele - e só a ele - tomar as decisões nos melhores interesses da equipa.

1. A táctica do Sporting de Braga. O Sporting de Braga de Leonardo Jardim joga habitualmente em 4x2x3x1, com Custódio como pivô defensivo e Viana por perto. Para além disso, Jardim conta com Lima, um avançado rápido e extremamente móvel, com Mossoró a assumir-se como a ligação entre meio-campo e ataque. Os passes teleguiados de Viana constituem uma alternativa a Mossoró, permitindo ao Sporting de Braga lançar rápidos contra-ataques circunscrevendo Mossoró com passes longos para a velocidade de Lima ou Alan. Defensivamente, os minhotos tendem a assumir uma postura conservadora, actuando com um bloco baixo com duas linhas de quatro. Existem diversos jogadores em torno de Viana para lhe fornecer a cobertura defensiva necessária quando se ausenta para um ataque, por exemplo.

2. A táctica de Portugal. Uma vez mais, esta questão não pretende discutir se se trata da melhor opção para Portugal, mas sim se Hugo Viana é uma escolha adequada. O onze português distribui-se num 4x3x3 há já algum tempo a esta parte. Paulo Bento tem mantido João Moutinho e Raúl Meireles no onze, recentemente com Miguel Veloso no lugar de Carlos Martins. Parece evidente que Bento tem em mente uma equipa capaz de pressionar em zonas mais avançadas quando tal for necessário, uma tarefa para a qual Hugo Viana não parece fadado. Ao contrário do Sporting de Braga, Portugal não dispõe de um típico n.º 10, o que significa que ambos os centro-campistas (à frente de Veloso) têm de defender e atacar - se analisarmos mais de perto as mais recentes convocatórias da Selecção, veremos que Paulo Bento tem convocado jogadores capazes de fazerem isso mesmo, tais como Meireles, Moutinho, Ruben Micael ou Ruben Amorim. Os próprios casos de Castro ou André Santos ficam a dever-se precisamente por satisfazerem os requisitos. Com tantos jogadores de características ofensivas na linha mais recuada (João Pereira e Fábio Coentrão, por exemplo) e extremos que raramente contribuem defensivamente (Nani, Ronaldo, Quaresma), compete aos médios fornecerem a cobertura defensiva, e não o contrário.

3. A abordagem de Portugal. Com base no percurso de Paulo Bento até agora, parece lógico assumir que a abordagem do seleccionador divergirá da de Carlos Queiroz. Em vez de esperar pelos seus adversários, a Selecção procurará abafar os adversários e jogar com uma linha defensiva (mais) subida. Uma vez mais, tal não joga necessariamente a favor de Hugo Viana, um jogador particularmente atreito a acusar sinais de cansaço à medida que o jogo se desenrola e que não costuma apreciar jogar em equipas nesse molde. Para além disso, Viana é vulnerável em situações de jogo mais físicas (conforme foi evidente na eliminatória contra o Besiktas), uma ameaça com que se depararia na maioria dos encontros do Campeonato Europeu.

Conclusão. Em resumo, não creio que se trate de um caso em que um treinador teimoso não aceita admitir o erro do seu primeiro julgamento, mas sim de um caso em que o jogador em questão não casa bem com a táctica e abordagem da equipa. Para colocar a questão em perspectiva, por mais importantes que estes jogadores sejam nos seus clubes actuais, seria irrazoável o Barcelona contratar Luisão, o Milan recrutar James Rodríguez ou o Manchester City recorrer aos préstimos de Matías Fernández - os princípios das equipas e as características dos jogadores não combinam, pura e simplesmente. Pessoalmente, considero que Hugo Viana poderia revelar-se um jogador precioso (particularmente em encontros em que Portugal não se assumisse como claro favorito), mas creio que os seus minutos de jogo seriam limitados.

*Gian Piero Gasperini foi contratado pelo Inter no início da presente época, sendo despedido após cinco jogos (sem vitórias). A ironia do despedimento foi o facto de tal se ficar a dever à implementação do modelo de jogo do treinador italiano (muito intenso e sabidamente de pressão alta), um modelo que não se adequava de todo aos jogadores à sua disposição - quase todos eles na casa dos trinta.

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